Rádio Germinal

domingo, 22 de novembro de 2020

Foucault: A Longevidade de uma Impostura

 


O livro de Mandosio apresenta um Foucault pouco conhecido, que é o verdadeiro Foucault. Mandosio além de uma breve crítica do pensamento de Foucault, mostra elementos da biografia desse filósofo e como ele sempre esteve atrelado ao poder. Leitura fundamental para quem busca entender a produção de ideologias no capitalismo durante o regime de acumulação integral e um dos responsáveis pela fundação do paradigma subjetivista hegemônico hoje.

Para acessar o livro completo, clique aqui.

Para ver uma resenha dessa obra, escrita por Nildo Viana, clique aqui.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O Pobre de Direita e a Miséria do Intelectual de Esquerda - Nildo Viana



O Pobre de Direita e a Miséria do Intelectual de Esquerda

Nildo Viana

Hoje vem se tornando comum ver alguns breves artigos e referências em redes sociais a uma figura curiosa, denominada “pobre de direita”. Esse é criticado, ironizado, condenado. É possível discutir quem é o suposto “pobre de direita”, o significado desse termo, os indivíduos que “encarnariam” esse rótulo, entre outros problemas. Mas não basta estudar e analisar o rotulado, pois assim corremos o risco de reproduzir a rotulação e os rotuladores. É preciso ir além e analisar também os rotuladores. Por isso vamos, inicialmente, analisar o significado da expressão “pobre de direita” e depois vamos analisar quem são os intelectuais e aspirantes a intelectuais[1] que inventaram tal termo e por qual motivo.
Em primeiro lugar, a expressão “pobre de direita” é extremamente “pobre”. O que é ser “pobre”? O que é ser de “direita”? O termo “pobre”, como conceito que expressaria algum grupo ou categoria social é impreciso, abstratificado, ideológico. Quem é “pobre”? Quem ganha menos de 2 salários mínimos? Quem é desempregado? Quem não tem casa própria? Os mendigos? O termo “pobreza” é uma abstratificação e por isso não tem significado preciso e real. Os institutos de pesquisa de opinião inventam critérios para delimitar quem é “pobre” e geralmente é a renda o critério principal, quando não é o único[2]. Na concepção marxista, esse termo não tem sentido, nem precisão. O uso desse termo abstrai as classes sociais e sua conceituação e a substitui por um termo abstratificado. Assim, só teria sentido se fosse delimitado, precisado, relacionado com a totalidade das relações sociais e com as classes sociais. Outra questão é o caráter pejorativo que geralmente tem a palavra “pobre”, tanto no sentido geral quanto no sentido de “grupo social”.
O outro termo que complementa a expressão é “direita”. O que é a direita? A direita seria a posição política que se opõe à esquerda e nessa antinomia há distintas definições de ambos os termos. Tradicionalmente, e que era hegemônico até pouco tempo atrás, a direita era a burguesia acompanhada por seus representantes e aliados e a esquerda era o proletariado ao lado de seus representantes e aliados. Os liberais, no entanto, buscaram mudar o sentido das palavras, a direita passou a expressar a posição dos partidários da “liberdade” e/ou do “mercado” e a esquerda passou a ser a posição partidária da “igualdade” e/ou do “estado”, ou seja, passou a girar em torno de princípios ideológicos abstratificados[3]. Essa deformação liberal (logo, “de direita”) dos termos “direita” e “esquerda”, que ofuscou o seu caráter de classe, foi antecipada pela deformação dos bolchevistas (“de esquerda”), que deslocou o significado desses termos das lutas de classes para lutas de partidos. Isso ocorreu através da autodeclaração do partido bolchevista segundo a qual ele seria a suposta “vanguarda” do proletariado e, por conseguinte, a própria “esquerda”, tendo vizinhos pela direita (a social-democracia, que seria “centro-esquerda”, esquerda reformista ou algo parecido) e vizinhos da esquerda (os “esquerdistas”, extra ou antiparlamentaristas que estariam acometidos por uma “doença infantil”, segundo Lênin e seus discípulos).
Assim, esses termos abstratificados, direita e esquerda, são problemáticos e seu caráter abstratificado permite os mais patéticos malabarismos, como, por exemplo, dizer que o nazismo e o regime militar no Brasil são de esquerda por ser estatista (usando a deformação liberal segundo a qual haveria uma oposição em torno do dilema “mercado” ou “estatização”, sendo que todas as duas são posições não-marxistas, pois o marxismo é antimercado e antiestado, bem como ambos são prejudiciais ao proletariado). Da mesma forma, permite que partidos como o Partido Bolchevique denomine como direitista e contrarrevolucionário todos (revolucionários e proletários) que lutam contra o regime ditatorial implantado por ele. Isso cria uma confusão gerada pelo obscurantismo político da direita e da esquerda. E ambas ganham com isso.
A política obscurantista sempre foi a política tanto da direita quanto da esquerda. Manter a ignorância facilita a manipulação eleitoral ou político-partidária. É por isso que a expressão “pobre de direita” é obscurantista. Hoje, diversos “intelectuais de esquerda” (jornalistas, blogueiros, etc.) vociferam contra o “pobre de direita”. Assim, a expressão abstratificada é encarnada em indivíduos reais, de carne e osso. Existem inúmeros textos na internet sobre essa fantasmagoria chamada “pobre de direita”. Mas quais são os indivíduos reais que encarnam esses termos abstratificados? Um professor de esquerda pode nos responder a essa pergunta. O pobre de direita seria aquele indivíduo “pobre” que se considera liberal, sem ter capital e propriedade, que passa a vida sonhando ser burguês, que é contra os direitos sociais e contra o Estado[4]. O “pobre” não é definido, mas, no fundo, é o trabalhador, como deixa entrever alguns textos. Mas a esquerda eleitoral não pode falar mal dos trabalhadores e por isso é melhor usar um termo que a maioria não se identifica: “pobre”.
Basta ver os autores dos diversos textos que tratam disso, dos blogs e meios de comunicação em que isso aparece, para identificarmos rapidamente os produtores e reprodutores dessa expressão ridícula e abstraficada. São os intelectuais de esquerda, sendo que atualmente a maioria é composta por viúvas do PT (Partido dos “Trabalhadores”), bem acompanhada pelas outras esquerdas que nunca ultrapassam o nível da disputa eleitoral.
O termo “pobre de direita” é uma expressão abstratificada que quer convencer que pobre deve ser de esquerda... E ser de esquerda quer dizer adepto da burocracia estatal e defensor do aparato estatal, bem como dos supostos benefícios oferecidos por ele, como a “proteção social”. E, por conseguinte, eleitor do PT ou dos partidos da dita esquerda, cada vez mais direitista, diga-se de passagem. Eis a mágica: trabalhador deve votar no PT, senão é um “pobre de direita”! Os intelectuais de esquerda se esquecem de esses “pobres de direita”, em sua grande maioria, votaram no PT, que foi eleito quatro vezes para o governo federal e este, uma vez no poder, executou políticas neoliberais e neopopulistas e abandonou os trabalhadores, perdendo seu apoio. Mas o PT arrumou emprego e pagou bem aos intelectuais de esquerda, que agora temem perder os privilégios e por isso vociferam raivosamente contra os “pobres de direita”. A lógica petista deve ser: continuem pobres, mas sejam de esquerda! O objetivo é fazer o “pobre de direita” virar “pobre de esquerda” e para isso ele deve votar no PT. Mudar a posição política e continuar sendo explorado, enganado, humilhado, etc. Mas a vida dos petistas e dos intelectuais de esquerda certamente melhoraria...
Em síntese, o pobre de direita deveria se transformar em pobre de esquerda, ou seja, social-democrata. Obviamente que “social-democrata”, no Brasil, é uma mera ficção[5]. No fundo, significa ser petista, ou seja, neoliberal neopopulista, que esteve no governo federal por três mandatos presidenciais completo e metade de um outro mandato e não fez nada para que os “pobres de direita” ficassem ao seu lado. A única coisa que fez foi jogar migalhas para o lumpemproletariado, cooptar setores de movimentos sociais e da intelectualidade. Não fez política para os trabalhadores, por razões obvias, pois quem representa a burguesia não pode beneficiar o proletariado e as classes desprivilegiadas.
Em poucas palavras, os intelectuais de esquerda consideram absurdo os “pobres de direita” não serem “pobres de esquerda”, apesar de terem apoiado as pobres políticas de direita para os “pobres”, que continuaram “pobres”, independente de serem de direita ou de esquerda[6]. Podemos resumir ainda mais: pobre deve ser petista, mesmo que tenha sofrido em 14 anos de governos petistas e por isso não pode ser “direitista”. Quem diria que até petistas conseguiriam ser criativos a ponto de criar uma nova definição de direita e esquerda! Direita é quem é contra o PT e esquerda é quem é a favor do PT! Apesar da originalidade aqui ser apenas uma cópia do que o discurso reacionário afirma (esse diz que tudo que é petista, inclusive elementos neoliberais e neopopulistas, é de “esquerda” e “comunista” e vice-versa)[7], uma versão mais suave do estratagema retórico de acusar de fascistas todos que são contra o PT. Mas isso não é descartado, pois o “pobre de direita” pode apoiar o fascismo, ou seja, é potencialmente um fascista[8].
Nesse momento, os petistas mais atentos deveriam gritar: “volte João Santana!”[9]. Pois com esse discurso retórico, os petistas jamais ganharão eleições novamente. Agora começa atacar até os trabalhadores... O Partido dos “Trabalhadores” não gosta dos “pobres de direita”, apesar dele ser um dos principais responsáveis por muitos deles assumirem hoje posições conservadoras[10]. Antes, em 1982, o lema era “trabalhador vota em trabalhador”[11]. Depois que os petistas descobriram que o processo eleitoral não funciona assim e que os candidatos petistas eram cada vez menos trabalhadores, mudaram a propaganda eleitoral. Passaram a não falar dos trabalhadores. A propaganda eleitoral funcionou e o PT chegou ao poder. Nada fez para os trabalhadores e perdeu apoio continuamente. Agora ataca os trabalhadores, sem assim chamá-los, mas com a pecha de “pobres de direita”.

Claro que alguns podem questionar se isso é apenas obra de petistas. Sem dúvida, isso não é obra apenas de petistas e sim dos intelectuais de esquerda, tanto desse partido, quanto simpatizantes e próximos (de outros partidos de esquerda, etc.). Mas a fábrica de absurdos é comandada pelos intelectuais do PT. Basta ver os sites e blogs que mais divulgam tais ideias:
1)     O site brasil247
3)     O blog de Paulo Henrique Amorim, financiado pelos governos petistas[12] (https://www.conversaafiada.com.br/tv-afiada/o-pobre-de-direita-adorou-a-racao), entre diversos outros.
Sem dúvida, a ideia de “pobre de direita” não foi criação recente. Em pesquisa no google, é possível ver mais de 700 menções a tal termo no ano de 2012[13]. Em 2013 um pouco mais que 800, um pouco mais de 1000 em 2014 e também em 2015. Em 2016, no ano do impeachment de Dilma Roussef, dobrou, indo para mais de 2000. Em 2017 chegou a mais de 4 mil resultados com uso de tal expressão. Claro que se pode dizer que foi o aumento de eleitores de Bolsonaro ou de pessoas se autodeclarando “liberais” que promoveu isso. Porém, uma coisa é questionar eleitores do Bolsonaro ou trabalhadores que dizem ser liberais, outra coisa é usar tal termo, que mostra o ressentimento dos intelectuais de esquerda em relação aos trabalhadores e os interesses eleitorais nesse processo. Para quem convive com a classe intelectual e a acompanha nas redes sociais, o ressentimento (rancor) é visível e aqueles que estavam supostamente ganhando com o Governo Dilma se tornaram magoados com os trabalhadores que não a defenderam ou ficaram indiferentes[14].
Os intelectuais de esquerda cada vez mais se integram no capitalismo e em suas disputas e consideram que assim estão “atualizados” e “politizados”, ao invés de perceberem que assim estão sendo engolidos pelo movimento do capital e pela hegemonia burguesa. A formação intelectual é cada vez menor e o posicionamento pautado no interesse pessoal cada vez mais evidente. Isso é mais forte no caso brasileiro por causa da política de cooptação do Governo Dilma em relação à intelectualidade. A classe intelectual é uma classe auxiliar da burguesia, mas os seus setores hegemônicos, mais eruditos, etc., geralmente preferiam assumir o discurso da neutralidade ou das posições mais gerais e abstratas. A partir do Governo Dilma muitos intelectuais passaram a assumir posições pró-governistas e pró-partidárias, o que reforçou, por sua vez, o antipetismo. Este, uma vez existindo e conseguindo adeptos nas classes desprivilegiadas, se tornam alvos dos intelectuais petistas e seus semelhantes. O impeachment e a diminuição de políticas governamentais favoráveis (de cooptação) à classe intelectual completa o quadro. É nesse momento que surge o ressentimento dos intelectuais de esquerda e seu curioso ataque aos “pobres de direita”.
Outra dúvida pode surgir: “mas e o pobre que se diz de direita”? Em primeiro lugar, o termo “pobre” é problemático e deve se descartado. No caso, os indivíduos das classes desprivilegiadas que se dizem “liberais” ou, mais abstratamente, de “direita”, são raros e de pouca importância política. A maioria desses indivíduos não diz isso, mesmo apoiando os partidos conservadores e ideias burguesas. No entanto, a importância do voto nos partidos conservadores (direita) é pequena, da mesma forma que o voto nos partidos progressistas (esquerda). Seria preciso tematizar o “pobre de esquerda”, para usar terminologia problemática, pois os indivíduos das classes desprivilegiadas que votam e apoiam o PT, por exemplo, são tão enganados e ludibriados, e agem contra si mesmos, quanto os que votam no PSDB ou qualquer outro partido assumidamente conservador. Em questões concretas, como, por exemplo, as atuais reformas retrógradas em curso atualmente, o voto pouco alteraria, pois o que poderia impedir esse processo seria a força do movimento operário, que é demonstrada principalmente através das greves, mas é complementada por manifestações, ações, politização, etc. A burocracia sindical, que fica a reboque da burocracia partidária (veja CUT-PT, CTB-PCdoB, etc.), não luta mais pelos direitos trabalhistas e sim por seus próprios interesses, especialmente eleitorais e burocráticos. Nesse sentido, seria a auto-organização e autoformação dos trabalhadores o foco dos intelectuais engajados e não ataques aos “pobres de direita”, que não serve para politizar e sim para despolitizar.
No plano cultural e político, a maioria dos trabalhadores sempre apoiou e votou nos partidos conservadores, pois, se assim não fosse, só existiriam governos de esquerda ou revoluções. Isso não é novidade e não é inventando essa coisa esdrúxula que é a expressão “pobre de direita” que se avança na compreensão e na luta política. Assim, a questão mais importante é a questão que sempre intrigou e preocupou o bloco revolucionário: a passagem do proletariado de classe determinada pelo capital (desde sua condição de classe até a hegemonia burguesa, o que mostra o predomínio das ideias dominantes no proletariado e que atinge o conjunto das classes desprivilegiadas), para classe autodeterminada, revolucionária. Essa é uma discussão muito mais complexa e profunda e não a dicotomia entre “direita” e “esquerda”. Se os trabalhadores vão escolher o carrasco da direita ou o carrasco da esquerda, tanto faz. O que interessa é que eles se libertem dos seus carrascos e conquistem a liberdade real.
Essa discussão mais complexa remete ao problema da hegemonia burguesa, expressa tanto pelos conservadores (direita) quanto pelos progressistas (esquerda) e como essa última é peça chave para que os trabalhadores não ultrapassem o nível do reformismo (e, hoje em dia, nem cheguem a tal nível...). Portanto, cabe aos intelectuais engajados criticarem os chavões da esquerda, tal como a do “pobre de direita”, bem como denunciarem a miséria mental dos intelectuais de esquerda, e apontar para a necessidade do proletariado e classes desprivilegiadas combaterem tanto conservadores quanto progressistas, almejando sua real libertação, o que só pode ocorrer com a autogestão social








[1] Aspirantes a intelectuais são estudantes e amadores que se preparam ou desejam se tornarem intelectuais (no sentido de uma classe social e não de “inteligência” ou competência intelectual real), ou seja, especialistas no trabalho intelectual (artistas, jornalistas, cientistas, etc.). Não é demais repetir que intelectuais aqui se refere a uma posição de classe, ou seja, na divisão social do trabalho, e não sabedoria ou inteligência. Nem todo sábio é um intelectual e nem todo intelectual é um sábio.
[2] Veja exemplo de como determinado instituto de pesquisa governamental, durante o Governo Dilma, inventou que a pobreza no Brasil havia diminuído e que acabaria em 2016 (clique aqui).
[3] Uma crítica geral à terminologia antinômica “esquerda-direita” e seu caráter abstratificado e ideológico, pode ser visto no texto “Direita e Esquerda: Duas Faces da Mesma Moeda” (para acessar esse texto, clique aqui).
[4] Esse texto, assim como todos que tivemos acesso e que tratam desse tema, é extremamente fraco, cheio de equívocos e problemas de análise e compreensão da realidade. Nesse caso (clique aqui para acessar o texto), realiza uma contraposição entre ser liberal e não ter capital e propriedade. Aqui já mostra a pouca bagagem cultural do crítico dos pobres de direita. Ser liberal significa se adepto de uma ideologia, a liberal. Qualquer um pode ser adepto de tal ideologia, tendo ou não capital ou propriedade. O que é impossível é ser burguês sem capital... Não é o caso. Ainda usa o estratagema retórico de dizer que ele pode ceder ao fascismo. O perigo do fascismo é o discurso dos social-democratas para conseguir apoio popular e unificar as demais esquerdas sob sua bandeira e angariar votos com esse discurso retórico e vazio. O antifascismo, já dizia Barrot, é o pior produto do fascismo (veja o seu texto clicando aqui).
[5] Não existem partidos social-democratas no Brasil. Há, no máximo, indivíduos keynesianos e social-democratas. Partidos com essa posição política não existem. O PT, em sua origem, era social-democrata, mas neopopulista, pois jamais realizaria políticas social-democratas no capitalismo subordinado, sendo apenas discurso eleitoral, abandonado pela ânsia de chegar ao poder. Foi assim que ele mudou o seu neopopulismo com discurso social-democrata para o de discurso neoliberal progressista.
[6] Além de falsificar dados estatísticos e manipular informações para que se acreditasse que se “reduziu” a pobreza no Brasil (veja link na nota 01).
[7] Se no Brasil tivéssemos “intelectuais de esquerda” mais sólidos e embasados, já deveriam ter percebido que se as esquerdas brasileiras quiserem ter algum futuro eleitoral, devem enterrar definitivamente o Partido dos Trabalhadores, o que significaria buscar alternativas, pois apostar em um partido moribundo é apenas expressão de sua miserabilidade intelectual.
[8] “O pobre de direita além de ser um figurante de burguês é terreno fértil para o fascismo”, afirmação do professor José Menezes Gomes, veja link na nota 03.
[9] Publicitário (“marqueteiro”) responsável pelas propagandas eleitorais vitoriosas do PT e que foi preso pelos esquemas de corrupção do Governo Dilma.
[10] Veja o texto “Anticomunismo e Antipetismo: A Gênese do Discurso Reacionário”, clicando aqui.
[11] Para quem não viveu nessa época, confira um texto sobre isso clicando aqui.
[12] E não só ele, como os demais citados acima (clique aqui para ver notícia na qual o Governo Michel Temer corta o apoio financeiro a tais blogs e sites).
[13] Em 2011: 447; 2010: 358; 2009: 230; 2008: 152; 2007: 05; 2006: 08; 2005:02 (embora esse resultado seja falso, pois é link para outro blog com postagem de 2018... (http://grupobeatrice.blogspot.com.br/2005/10/as-vtimas-da-guerra-e-os-que-lucram.html) e o mesmo vale para 2006, ou seja, nesse anos não houveram referências a tal expressão. Isso também significa que a quantidade real é menor nos demais anos, mas de qualquer forma há um crescimento paulatino e um crescimento proporcional maior a partir de 2016 e novamente em 2017.
[14] É preciso lembrar que as classes desprivilegiadas também não foram para as ruas, com raras exceções, para pedir impeachment, pois a maioria percebeu que a disputa de poder não lhe dizia respeito diretamente. A indiferença de grande parte dos trabalhadores é apenas o resultado da percepção, embora pouco clara, de que a política institucional serve à classe dominante.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O PROBLEMA DA IDENTIFICAÇÃO DA POSTURA INTELECTUAL

O PROBLEMA DA IDENTIFICAÇÃO DA POSTURA INTELECTUAL

Nildo Viana

Os intelectuais são os indivíduos que compõem a classe social denominada intelectualidade. No entanto, todas as classes sociais possuem subdivisões, bem como distintas manifestações políticas, culturais. A classe intelectual possui suas frações de classes (artistas, cientistas, técnicos, etc.) e isso gera diferença de valores no seu interior, o que é mantido em outras subdivisões no seu interior (os cientistas possuem elementos em comum enquanto fração de classe, mas também possuem divisões internas, a começar entre os cientistas sociais e os cientistas naturais).

Uma das divisões mais importantes no interior da intelectualidade é a postura intelectual de cada indivíduo. O que é “postura intelectual”? Como definimos em outro lugar, elas “são as posturas dos intelectuais, indivíduos pertencentes à classe intelectual, que expressa sua posição social no interior desta classe e seu posicionamento, diante dela e da sociedade como um todo, incluindo suas concepções políticas” (VIANA, 2015a, p. 12). Ou seja, a postura intelectual está ligada a posição do intelectual na hierarquia da classe e das esferas sociais (VIANA, 2015b). Ela se caracteriza por sua posição social e seu posicionamento (diante da classe, da sua esfera específica e da sociedade e suas divisões de classes e política).

Posição social e posicionamento tendem a ser semelhantes, embora, em alguns casos, possa haver certa discrepância, que só a pesquisa de casos concretos pode delimitar e explicar. Essa hierarquia pode ser dividida em segmentos, entre os quais os hegemônicos e dissidentes, que são aqueles que competem pelos espólios da sua esfera científica e da classe intelectual, tal como o reconhecimento dos seus próprios pares e dos meios intelectualizados da sociedade. Estes são os integrados dentro da classe intelectual e das esferas sociais, sendo que o que os distingue é a competição pelo lugar principal, com os dissidentes querendo se tornar hegemônicos. Os hegemônicos estão no topo da hierarquia intelectual e/ou esférica[1], e conseguem manter a hegemonia no âmbito da classe intelectual e sua esfera social particular. Isso significa que uma postura intelectual remete não apenas para sua posição na hierarquia da classe intelectual e esfera científica, mas também seu posicionamento. Os hegemônicos geralmente se posicionam a partir das concepções hegemônicas na classe intelectual e esferas sociais tanto no que se refere a sua autoimagem quanto em seu posicionamento político. Os dissidentes são aqueles que estão em segundo plano e querem passar para o primeiro plano. Trata-se de uma oposição que revela, no fundo, uma competição.

Essas duas posturas, as mais comuns e predominantes, convive com outras, que já se separam do eixo central da classe intelectual e das esferas sociais. Esse é o caso dos intelectuais venais, cujo valor fundamental não é o mesmo dos setores mais integrados na classe e esfera, e sim o dinheiro. Por isso são “venais”. Existem também os intelectuais ambíguos, que ficam entre a reprodução da mentalidade da classe intelectual e da esfera que pertencem e outras instituições (igrejas, partidos, etc.). Um outro caso é o dos intelectuais amadores, que são aqueles que são marginalizados e não conseguem se inserir adequadamente na classe intelectual e em suas esferas e por isso não se integram no modus operandi seja da classe ou esfera que se aproxima e nem possuem condições de disputar seus espólios. Por último, temos outra postura intelectual, que é a dos intelectuais engajados, que se afastam da mentalidade e competição pelos espólios da classe intelectual e de sua esfera particular, geralmente realizando a sua crítica e apontando a transformação social radical e total como objetivo ao invés dos espólios da classe e esferas sociais.

Politicamente, os hegemônicos e dissidentes tendem a ser conservadores ou progressistas moderados, os venais são geralmente conservadores, os amadores são mais afastados da política institucional e mais heterogêneos em suas concepções políticas, os ambíguos tendem a ser predominantemente progressistas (com um setor conservador, ligados a instituições conservadoras) e os engajados são revolucionários. Obviamente, que indivíduos concretos podem romper com essa tendência, mas é algo difícil, especialmente no caso dos hegemônicos.

Essa hierarquia na classe intelectual e no interior de suas subdivisões (esferas sociais) acaba criando um forte problema para o pesquisador que quer identificar qual segmento que um intelectual pertence, ou seja, qual sua postura intelectual. No caso dos amadores, por sua posição, é mais fácil. Existem casos, no entanto, que é mais difícil, como, por exemplo, no caso de indivíduos que historicamente mudaram sua postura intelectual (dissidentes que se tornaram hegemônicos e vice-versa, hegemônicos que se tornaram engajados ou vice-versa, ambíguos que se tornaram dissidentes ou vice-versa, além dos casos nos quais ocorreu mais de uma mudança na postura intelectual). Além disso, muitas vezes intelectuais ambíguos podem ser confundidos com intelectuais engajados, dissidentes com hegemônicos, venais com dissidentes e ambíguos, etc.

Machado de Assis era um intelectual hegemônico? Lima Barreto era um intelectual engajado? Paulo Coelho é intelectual venal? Enes da Cunha Teles é um intelectual amador? Jorge Amado era um intelectual ambíguo? Essas questões remetem a um problema metodológico que é o de como identificar a postura intelectual de um indivíduo pertencente ou aspirante a pertencer à classe intelectual. Em certos casos, isso é relativamente mais fácil, que é quando o intelectual em questão deixa explícitos sua posição e posicionamento. No entanto, mesmo nestes casos pode haver controvérsias, pois a autodefinição não é suficiente. Como Marx afirmou, não se define uma época de transformação social pelo que ela diz de si mesma assim como não se analisa um indivíduo por sua autoimagem.

A autodefinição é a parte do discurso no qual um intelectual diz o que é (a qual corrente intelectual adere, qual concepção política defende, qual seu posicionamento diante das questões políticas e sociais, etc.). O pesquisador não pode se contentar com a autoimagem ou autodefinição dos indivíduos e, no caso que abordamos aqui, dos intelectuais. A autodeclaração do indivíduo é um dos elementos que devem ser analisados para identificar a sua postura intelectual. No entanto, esta autodeclaração deve ser vista criticamente e acompanhada por outras fontes de informação. O material informativo necessário para se identificar qual é a postura intelectual de um indivíduo é, além da autodeclaração (o discurso sobre si mesmo e sua posição e posicionamento), a prática efetiva e sua prática discursiva. Desta forma, é necessário: a) analisar sua autodefinição: como ele definia sua própria posição diante da sociedade e dos meios intelectuais (academia, esfera social e/ou intelectualidade), b) analisar sua prática discursiva: o conjunto do seu discurso no qual explicita sua real posição diante da sociedade, política, intelectualidade, etc. e c) analisar sua prática efetiva: como ele, efetivamente, se relacionava com a academia, esfera social e/ou intelectualidade e com a política e a sociedade.

Assim, cabe ao pesquisador acessar esse material informativo e realizar sua análise. A autodeclaração, após ser acessada, pode dizer o que corresponde à realidade ou não. Por exemplo, um intelectual pode se autodeclarar social-democrata, progressista, liberal, conservador, comunista, etc. Essa é sua autodefinição política. Da mesma forma, esse mesmo intelectual pode defender a tese da “autonomia da ciência” e da neutralidade e que os intelectuais devem representar o “universal”. Essa seria sua autodeclaração no que diz respeito ao seu posicionamento diante da ciência e da intelectualidade. Mas também, se for um sociólogo, poderia se autodefinir como um “sociólogo crítico” ou “neutro” ou, se fosse um geógrafo, se autodefinir como “marxista”, “humanista” ou “positivista”. Essa é sua autodefinição intelectual. Ao pesquisar um intelectual é preciso buscar sua autodefinição. Uma vez acessada a sua autodefinição, torna-se necessário pesquisar se ela é verdadeira ou falsa. Em muitos casos é verdadeiro, bem como em muitos outros é falsa.

Como verificar se a autodefinição é verdadeira ou falsa? É por isso que é necessário analisar sua prática discursiva e sua prática efetiva. Esses dois itens permite concluir se a autodefinição é verdadeira ou falsa. Por exemplo, se um intelectual se diz “crítico do poder”, um contestador e adepto da transformação social, é possível verificar se isso é verdadeiro ou falso analisando sua prática discursiva e sua prática efetiva. A prática discursiva é o que ele efetivamente realiza em seus discursos. Um indivíduo pode fazer um discurso democrático de forma autocrática. A frase “você deve se submeter ao regime democrático” é um bom exemplo para mostrar que a afirmação discursiva aponta para pensar que o seu autor é um democrata, mas, ao mesmo tempo, a forma como ele efetiva o discurso é autocrático. É por isso que a afirmação deve ser analisada e necessita da confirmação: “A afirmação é uma declaração afirmada conscientemente no discurso e confirmação é a efetivação disso no discurso, a prática discursiva. A afirmação discursiva é o que o discurso diz e a confirmação é o que efetivamente faz. Pode haver coerência ou contradição entre afirmação e confirmação” (VIANA, 2015c, p. 55). Assim, a afirmação discursiva pode ser coerente ou não com a efetividade discursiva e por isso torna-se necessária a sua confirmação. A análise da prática discursiva é fundamental para descobrir a efetividade discursiva, a coerência ou incoerência entre o dito e o efetivado.

A prática discursiva vai além da autodeclaração. Um intelectual que afirma ser progressista e escreve artigos defendendo ideias conservadoras e outro que se diz anarquista, mas escreve textos apoiando candidatos para eleições, mostram a incoerência entre o dito e o efetivado e isso significa que a prática discursiva refuta a autodeclaração. Cabe ao pesquisador, portanto, demonstrar que sua autodeclaração é falsa e isso é comprovado por sua prática discursiva e que, portanto, trata-se de um pseudoprogressista e um pseudoanarquista, respectivamente.

Sem dúvida, existem muitos casos opostos. Um intelectual pode se autodeclarar marxista e demonstrar isso em sua prática discursiva. Isso ocorre quando ele, efetivamente, utiliza os conceitos, teorias e concepções marxistas e na perspectiva do proletariado. Cabe ao pesquisador analisar o uso dos conceitos, teoria, etc. e assim ter a confirmação de que a autodeclaração corresponde à prática discursiva, sendo, portanto, verdadeira.

Existem alguns casos em que não existe autodeclaração ou ela não é clara e objetiva. Um cientista pode simplesmente não declarar qual é sua concepção política e sua concepção de ciência. Nesse caso, a prática discursiva se torna um material informativo basilar. Em outros casos, o cientista pode ser confuso, contraditório, volúvel (quando em uma oportunidade afirma ser algo e em outra já se autodeclara de outra forma) em suas declarações sobre si mesmo. Nesse caso, o pesquisador deve observar se a volubilidade é devido ao decorrer do tempo, significando mudanças de postura (um hegemônico que com o passar do tempo se torna dissidente ou um engajado que se torna ambíguo, por exemplo), confusão ou ambivalência, formação intelectual deficiente, indecisão por certas determinações, tal como a pressão social (alguns intelectuais podem, por covardia ou situações determinadas, dizer que é o que não é, ou, então, se mostrar definido e sem ambivalência apesar de ser indefinido e ambivalente).

No entanto, é preciso ir além da análise da autodeclaração e da prática discursiva. A identificação da postura intelectual de um indivíduo se concretiza com sua prática efetiva, ou seja, o que efetivamente ele faz e se isso é coerente ou não. Por exemplo, Foucault se dizia um crítico do poder (autodeclaração) e escrevia textos de crítica ao poder (efetividade discursiva)[2], mas, no entanto, passou sua vida atrelado ao poder (MANDOSIO, 2011). Assim, a autodeclaração e a prática discursiva são importantes para verificar a verdadeira concepção de um intelectual e por isso a prática efetiva se torna um complemento necessário. Obviamente que este exemplo é apenas uma possibilidade, pois existem diversos casos de coerência entre autodeclaração, prática discursiva e prática efetiva. No caso de incoerência entre autodeclaração e prática discursiva, a prática efetiva pode oferecer a resposta final ao descobrir se, nas relações sociais concretas, o intelectual em questão confirma a autodeclaração ou a prática discursiva, embora o mais comum seja a coerência com a última.

A prática efetiva é aquela na qual o intelectual exerce sua profissão e atividades intelectuais, o que permite observar se existe coerência entre sua autodeclaração e prática discursiva com relação à sua profissão, e aquela em que desempenha práticas políticas, se posiciona em relação às questões sociais, etc., o que pode ser efetivado tanto na sua própria vida profissional e acadêmica quanto em outros lugares (imprensa, partidos, grupos políticos, meios de comunicação em geral, comunidade, associações diversas, etc.). No caso citado de Foucault, a sua prática efetiva mostra o seu atrelamento e relação com o aparato estatal e outras instituições, bem como sua volubilidade em seguir os modismos acadêmicos (MANDOSIO, 2011). Assim, a sua autodeclaração de posição política é incoerente com sua prática efetiva. Da mesma forma, alguns intelectuais podem criticar a academia, a ciência, a sua esfera social, mas se encontra totalmente integrado na mesma, inclusive assumindo presidência de associações científicas hegemônicas, o que significa uma incoerência. Claro que cada caso concreto deve ser analisado em sua especificidade, bem como o processo evolutivo do referido intelectual, entre outras determinações.

Em síntese, a identificação da postura intelectual de um indivíduo da classe intelectual precisa ser pautada por esses três aspectos: autodeclaração, prática discursiva, prática efetiva. No entanto, isso é complementado, como no caso de qualquer discurso, pela análise do contexto social (a sociedade numa determinada época) e cultural (a cultura da época). Esse elemento é importante para inserir a evolução intelectual do indivíduo em questão na totalidade das relações sociais, tanto nas relações sociais concretas quanto no mundo cultural onde emerge e ganha significado. As mutações de um intelectual são explicadas tanto pela sua evolução biográfica, quanto pela sua evolução social, pois as mudanças sociais atingem os indivíduos, podendo mudar sua postura intelectual, seja por pressão, necessidades, etc. A análise apenas da prática efetiva não poderia mostrar isso. Da mesma forma, se dizer “esquerda” nos Estados Unidos tem um significado distinto do que no caso brasileiro ou francês.

Desta forma, identificação da postura intelectual de um indivíduo possui esses cinco aspectos fundamentais (autodeclaração, prática discursiva, prática efetiva, contexto social, contexto cultural) que são separadas e reunidas no momento da análise. De acordo com o método dialético, o “concreto é o resultado de suas múltiplas determinações” (MARX, 1983; HEGEL, 1980) e assim é essa totalidade de elementos e determinações que permitem a reconstituição de qual é a postura intelectual de um determinado pensador. Através desse procedimento é possível identificar qual é a postura intelectual de um determinado integrante da intelectualidade.

Referências

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1983.

HEGEL, G. W. F. Introdução à História da Filosofia. 4ª edição, Coimbra: Armênio Amado, 1980.

MANDOSIO, Jean-Marc. A Longevidade de uma Impostura. Michel Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2a edição, São Paulo: Martins Fontes, 1983.

VIANA, Nildo. As Esferas Sociais. A Constituição Capitalista da Divisão do Trabalho Intelectual. Rio de Janeiro: Rizoma, 2015b.

VIANA, Nildo. Intelectuais Venais e Axiologia. Revista Axionomia (GPDS/UFG). Vol. 01, num. 01, jan./jun. de 2015a.

VIANA, Nildo. Introdução à Crítica da Ideologia Gramsciana. Marxismo e Autogestão. Ano 02, num. 03, jan./jun. 2015c.



[1] Um intelectual hegemônico numa determinada esfera social pode estar abaixo na hierarquia da classe intelectual, dependendo da função e prestígio de tal esfera.
[2] Sobre isso, consulte suas obras Vigiar e Punir (FOUCAULT, 1983) e Microfísica do Poder (FOUCAULT, 1989).

domingo, 27 de setembro de 2015

Paul Mattick e a Ditadura dos Intelectuais


Texto, em espanhol, de Paul Mattick, abordando a questão dos intelectuais e debatendo com Max Nomad, pesquisador de Makhaisky.


MATTICK, Paul. Dictadura de los Intelectuales? In: Rebeldes y Renegados. La Funcion de los Intelectuales y la Crisis del Movimiento Obrero. Barcelona: Icaria, 1978.

Mais textos de Paul Mattick: Comunismo de conselhos.

sábado, 26 de setembro de 2015

CARTA AOS INTELECTUAIS

CARTA ABERTA AOS INTELECTUAIS

Rudolf  Berg

Prezados intelectuais, eu vos escrevo essa carta para explicar o que nós somos, o que deveríamos e podíamos ser. É uma solicitação e uma exigência aos intelectuais para tomarem uma posição digna diante de uma realidade social que está se encaminhando para uma grave crise social que pode ameaçar até mesmo a existência humana. Por isso a leitura atenta e completa dessa carta se faz necessário, bem como ela em si e seu apelo a todos os intelectuais.

Os intelectuais são geralmente conservadores. Apesar da propaganda (e não passa disso) do suposto papel crítico do intelectual na sociedade moderna, não é isso que se verifica na realidade concreta. E quais são as razões disso? É possível a superação dessa realidade? Qual deveria ser a função do intelectual na nossa sociedade? Como intelectual é preciso dizer que é possível superar o conformismo, o conservadorismo, o progressismo que impera nos meios intelectuais. Essa é uma “carta”, que sai dos formalismos que a intelectualidade acaba se submetendo, de um intelectual para outros intelectuais.

Os intelectuais são, em sua maioria, conservadores, conformistas. No máximo são “progressistas”, ou seja, “reformistas”, uma forma socialmente elegante de ser conservador. Isso é derivado da classe social de pertencimento dos intelectuais: a intelectualidade. A classe intelectual é conservadora por sua posição na divisão social do trabalho e dos interesses derivados daí, que são interesses de classe e, ao mesmo tempo, interesses individuais, pessoais. Os intelectuais possuem um certo “status”, alguns possuem níveis salariais mais elevados que outros setores da sociedade. Os intelectuais (cientistas, artistas, técnicos, professores, etc.), em seus estratos superiores, recebem altos salários dos seus empregadores capitalistas. Para servir ao capital, os intelectuais recebem vantagens para seus estratos superiores e migalhas para seus estratos inferiores. Em troca disso, a classe intelectual exerce a função de criar ideologias e produções intelectuais para reproduzir essa sociedade, naturalizando-a, eternizando-a, legitimando-a. É isso que explica o conservadorismo da maioria dos intelectuais.

Isso, no entanto, não é um fatalismo. Tanto isso é verdade que existem vários intelectuais não conformistas, como este que vos escreve esta carta. Assim, o que são os intelectuais é uma coisa, o que me interessa é o que devem ser. Ao intelectual real, de carne e osso e geralmente conservador, contraponho o intelectual ideal, aquilo que ele deveria e pode ser. Sem dúvida, se o intelectual abandona sua posição conservadora (de qualquer tipo, incluindo a “progressista”), sofrerá as consequências. Essas consequências, no entanto, são menores para aqueles que são estabilizados profissionalmente e são mais necessárias para os que não possuem tal estabilidade. E o aumento dos intelectuais que rompem com o conservadorismo, permite diminuir tais consequências negativas. Mas também existem as consequências positivas, das quais trataremos no final dessa carta.

O mundo hoje caminha para uma crise sem precedentes. O capitalismo, como modo de produção, está se esgotando. Além dele manter a exploração e aumentar o seu grau, aumentar o desemprego, a miséria, a fome, que hoje atinge mais de um bilhão de pessoas, ele traz outros motivos para buscarmos superá-lo, tal como a ameaça de destruição da humanidade, que pode sair dos filmes de ficção científica e se tornar realidade. A destruição ambiental em alta escala é um dos elementos que podem gerar o fim da humanidade. Os seres humanos, seguindo a dinâmica do capitalismo, agem como o bicho da goiaba. Vão se alimentando do planeta até exauri-lo e destruir sua própria fonte de vida. As crises capitalistas e o esgotamento do modo de produção trazem o retorno do barbarismo, doenças já superadas retornam, a fome atinge um de cada sete ser humano, a destruição ambiental se faz sentir na pele dos indivíduos com o esquentamento e mudanças climáticas, a crise moral e o hedonismo fazem muitos seres humanos regredir para um nível de animalidade (onde o prazer se torna a meta e o critério absoluto). Alguns países – Portugal, Espanha, Grécia – apenas manifestam crises sintomáticas que escondem suas raízes mais profundas e que em breve tende a se espalhar por diversos outros países, incluindo os todo-poderosos países imperialistas. Se o barbarismo já se esboça, nesses momentos eles se multiplicam, se aprofundam, se tornam hegemônicos.

A responsabilidade dos intelectuais nesse momento é enorme. São eles que podem identificar os sintomas, fazer o diagnóstico e apresentar o prognóstico, desde que abandonem seus interesses mesquinhos e se preocupem com o futuro da humanidade e dos seus próprios filhos e netos. Hoje se impõe a necessidade do ato de romper com o conservadorismo e se negar a realizar a função que o capitalismo impõe e assumindo a responsabilidade diante da humanidade e do saber, apontando para uma transformação profunda e total da sociedade. Isso, além de ser mais belo, honesto, honrado, é também prazeroso, pois pode nos reconciliar com a essência humana, com aquilo que Marx denominou práxis, o trabalho humano livre, teleológico e consciente que nos satisfaz quando olhamos para os seus resultados e com relações sociais re-humanizadas, sinceras, honestas, solidárias, fundadas na liberdade e igualdade sociais. Cabe ao intelectual dizer a verdade, não compactuar com as mentiras e injustiças em todos os lugares (a farsa eleitoral, as mentiras governamentais, a falsidade do progressismo que apenas disputa o poder, a exploração dos trabalhadores e mais milhares de exemplos que poderiam ser citados). Inclusive deveria repensar suas práticas, profissão, etc. Ao compactuar com as injustiças de professores contra alunos, de intelectuais contra outros intelectuais, ao se silenciar, ao se omitir, ao cometer injustiças, produzir ideologias e reproduzir mentiras, o intelectual mostra não apenas covardia, desumanidade, mas também mesquinharia. O intelectual que compactua com as ilusões, mentiras, e fica a serviço dos poderosos, governantes, capitalistas, se torna um ser desprezível e que não se realiza como ser humano. O produto do seu trabalho ao invés de satisfação traz vergonha e sentimento de culpa. Se ele abandona a função de serviçal dos capitalistas, burocratas e governantes, ele sofre a consequência negativas de talvez ter menos dinheiro na conta no final do mês, mas pode chegar perto de se realizar como ser humano e satisfação com os resultados do seu trabalho, sendo essa a consequência positiva.


Além de serem indivíduos pertencentes a uma determinada classe social, a intelectualidade, os intelectuais, são seres humanos e isso precede sua posição de classe e social. Ao invés de se entupir de remédios para sobreviver e dormir, por se vender e subordinar aos capitalistas e burocratas, eles podem, caso decidam e assim esbocem sua liberdade, poderão ter o sono dos justos. Então precisamos exigir dos intelectuais o mínimo que se espera deles: compromisso com a verdade, com os explorados e injustiçados, com a transformação radical do mundo. Ao invés de intelectuais aristotélicos reprodutores de ideologias legitimadoras da exploração e miséria humana, intelectuais sartreanos que superam a imanência do pertencimento de classe e realizam a sua transcendência, ficando do lado do proletariado e assim ajudando a construir um novo mundo. Essa é a exigência mais urgente para os intelectuais em nossa época.

Revista Marxismo e Autogestão. Ano 02, número 03, 2015.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Intelectuais, elitismo, tecnicismo e gosto musical


O vídeo abaixo aborda a questão do elitismo por detrás do gosto pelas músicas complexas.

Para ouvir o vídeo basta ir até o rodapé desta página e no player da Rádio Germinal clicar em pausa.

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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Rádio Germinal


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