Rádio Germinal

domingo, 27 de setembro de 2015

Paul Mattick e a Ditadura dos Intelectuais


Texto, em espanhol, de Paul Mattick, abordando a questão dos intelectuais e debatendo com Max Nomad, pesquisador de Makhaisky.


MATTICK, Paul. Dictadura de los Intelectuales? In: Rebeldes y Renegados. La Funcion de los Intelectuales y la Crisis del Movimiento Obrero. Barcelona: Icaria, 1978.

Mais textos de Paul Mattick: Comunismo de conselhos.

sábado, 26 de setembro de 2015

CARTA AOS INTELECTUAIS

CARTA ABERTA AOS INTELECTUAIS

Rudolf  Berg

Prezados intelectuais, eu vos escrevo essa carta para explicar o que nós somos, o que deveríamos e podíamos ser. É uma solicitação e uma exigência aos intelectuais para tomarem uma posição digna diante de uma realidade social que está se encaminhando para uma grave crise social que pode ameaçar até mesmo a existência humana. Por isso a leitura atenta e completa dessa carta se faz necessário, bem como ela em si e seu apelo a todos os intelectuais.

Os intelectuais são geralmente conservadores. Apesar da propaganda (e não passa disso) do suposto papel crítico do intelectual na sociedade moderna, não é isso que se verifica na realidade concreta. E quais são as razões disso? É possível a superação dessa realidade? Qual deveria ser a função do intelectual na nossa sociedade? Como intelectual é preciso dizer que é possível superar o conformismo, o conservadorismo, o progressismo que impera nos meios intelectuais. Essa é uma “carta”, que sai dos formalismos que a intelectualidade acaba se submetendo, de um intelectual para outros intelectuais.

Os intelectuais são, em sua maioria, conservadores, conformistas. No máximo são “progressistas”, ou seja, “reformistas”, uma forma socialmente elegante de ser conservador. Isso é derivado da classe social de pertencimento dos intelectuais: a intelectualidade. A classe intelectual é conservadora por sua posição na divisão social do trabalho e dos interesses derivados daí, que são interesses de classe e, ao mesmo tempo, interesses individuais, pessoais. Os intelectuais possuem um certo “status”, alguns possuem níveis salariais mais elevados que outros setores da sociedade. Os intelectuais (cientistas, artistas, técnicos, professores, etc.), em seus estratos superiores, recebem altos salários dos seus empregadores capitalistas. Para servir ao capital, os intelectuais recebem vantagens para seus estratos superiores e migalhas para seus estratos inferiores. Em troca disso, a classe intelectual exerce a função de criar ideologias e produções intelectuais para reproduzir essa sociedade, naturalizando-a, eternizando-a, legitimando-a. É isso que explica o conservadorismo da maioria dos intelectuais.

Isso, no entanto, não é um fatalismo. Tanto isso é verdade que existem vários intelectuais não conformistas, como este que vos escreve esta carta. Assim, o que são os intelectuais é uma coisa, o que me interessa é o que devem ser. Ao intelectual real, de carne e osso e geralmente conservador, contraponho o intelectual ideal, aquilo que ele deveria e pode ser. Sem dúvida, se o intelectual abandona sua posição conservadora (de qualquer tipo, incluindo a “progressista”), sofrerá as consequências. Essas consequências, no entanto, são menores para aqueles que são estabilizados profissionalmente e são mais necessárias para os que não possuem tal estabilidade. E o aumento dos intelectuais que rompem com o conservadorismo, permite diminuir tais consequências negativas. Mas também existem as consequências positivas, das quais trataremos no final dessa carta.

O mundo hoje caminha para uma crise sem precedentes. O capitalismo, como modo de produção, está se esgotando. Além dele manter a exploração e aumentar o seu grau, aumentar o desemprego, a miséria, a fome, que hoje atinge mais de um bilhão de pessoas, ele traz outros motivos para buscarmos superá-lo, tal como a ameaça de destruição da humanidade, que pode sair dos filmes de ficção científica e se tornar realidade. A destruição ambiental em alta escala é um dos elementos que podem gerar o fim da humanidade. Os seres humanos, seguindo a dinâmica do capitalismo, agem como o bicho da goiaba. Vão se alimentando do planeta até exauri-lo e destruir sua própria fonte de vida. As crises capitalistas e o esgotamento do modo de produção trazem o retorno do barbarismo, doenças já superadas retornam, a fome atinge um de cada sete ser humano, a destruição ambiental se faz sentir na pele dos indivíduos com o esquentamento e mudanças climáticas, a crise moral e o hedonismo fazem muitos seres humanos regredir para um nível de animalidade (onde o prazer se torna a meta e o critério absoluto). Alguns países – Portugal, Espanha, Grécia – apenas manifestam crises sintomáticas que escondem suas raízes mais profundas e que em breve tende a se espalhar por diversos outros países, incluindo os todo-poderosos países imperialistas. Se o barbarismo já se esboça, nesses momentos eles se multiplicam, se aprofundam, se tornam hegemônicos.

A responsabilidade dos intelectuais nesse momento é enorme. São eles que podem identificar os sintomas, fazer o diagnóstico e apresentar o prognóstico, desde que abandonem seus interesses mesquinhos e se preocupem com o futuro da humanidade e dos seus próprios filhos e netos. Hoje se impõe a necessidade do ato de romper com o conservadorismo e se negar a realizar a função que o capitalismo impõe e assumindo a responsabilidade diante da humanidade e do saber, apontando para uma transformação profunda e total da sociedade. Isso, além de ser mais belo, honesto, honrado, é também prazeroso, pois pode nos reconciliar com a essência humana, com aquilo que Marx denominou práxis, o trabalho humano livre, teleológico e consciente que nos satisfaz quando olhamos para os seus resultados e com relações sociais re-humanizadas, sinceras, honestas, solidárias, fundadas na liberdade e igualdade sociais. Cabe ao intelectual dizer a verdade, não compactuar com as mentiras e injustiças em todos os lugares (a farsa eleitoral, as mentiras governamentais, a falsidade do progressismo que apenas disputa o poder, a exploração dos trabalhadores e mais milhares de exemplos que poderiam ser citados). Inclusive deveria repensar suas práticas, profissão, etc. Ao compactuar com as injustiças de professores contra alunos, de intelectuais contra outros intelectuais, ao se silenciar, ao se omitir, ao cometer injustiças, produzir ideologias e reproduzir mentiras, o intelectual mostra não apenas covardia, desumanidade, mas também mesquinharia. O intelectual que compactua com as ilusões, mentiras, e fica a serviço dos poderosos, governantes, capitalistas, se torna um ser desprezível e que não se realiza como ser humano. O produto do seu trabalho ao invés de satisfação traz vergonha e sentimento de culpa. Se ele abandona a função de serviçal dos capitalistas, burocratas e governantes, ele sofre a consequência negativas de talvez ter menos dinheiro na conta no final do mês, mas pode chegar perto de se realizar como ser humano e satisfação com os resultados do seu trabalho, sendo essa a consequência positiva.


Além de serem indivíduos pertencentes a uma determinada classe social, a intelectualidade, os intelectuais, são seres humanos e isso precede sua posição de classe e social. Ao invés de se entupir de remédios para sobreviver e dormir, por se vender e subordinar aos capitalistas e burocratas, eles podem, caso decidam e assim esbocem sua liberdade, poderão ter o sono dos justos. Então precisamos exigir dos intelectuais o mínimo que se espera deles: compromisso com a verdade, com os explorados e injustiçados, com a transformação radical do mundo. Ao invés de intelectuais aristotélicos reprodutores de ideologias legitimadoras da exploração e miséria humana, intelectuais sartreanos que superam a imanência do pertencimento de classe e realizam a sua transcendência, ficando do lado do proletariado e assim ajudando a construir um novo mundo. Essa é a exigência mais urgente para os intelectuais em nossa época.

Revista Marxismo e Autogestão. Ano 02, número 03, 2015.